
Edição 464 REVISTA CARTA CAPITAL
No terreiro de Clara
por Pedro Alexandre Sanches
O livro recupera em imagens as várias etapas da história da cantora, do visual iê-iê-iê à fase "deusa dos orixás"
Clara Nunes (1942-1983) viveu entre a indecisão e a multiplicidade. Em religião, era simultaneamente católica, kardecista, umbandista, devota do candomblé. No início da carreira, nos anos 60, a inconstância pautou as escolhas musicais, divididas sem prioridade entre o romantismo “cafona” e os temas universitários “sofisticados”, entre o samba, o iê-iê-iê e a bossa. A biografia Guerreira da Utopia , do jornalista Vagner Fernandes, ilumina com ineditismo os altos e baixos dessa trajetória.
O livro demonstra que o sucesso só foi acontecer a partir de 1971, quando bancou colocar foco na brasilidade, ou melhor, em várias brasilidades regionais. Clara logo foi rotulada como “sambista”, o que não dava conta da diversidade que ela pregava, mas lhe garantiu lugar na história e fez dela a primeira mulher brasileira a vender cerca de 500 mil cópias a cada disco lançado. Tornou-se a cantora mais popular do País, dado que o livro tenta fazer emergir da sombra em que se encontra desde a morte da cantora, após um choque anafilático numa cirurgia de varizes.
Minuciosa, a biografia guarda o mérito de abordar sem meias palavras uma série de passagens espinhosas. Assim, Clara aparece como militante pela abertura política nos anos finais, mas também como artista que antes satisfizera a ditadura ao gravar, sob pressão, o hino Olimpíada do Exército. A cantora Beth Carvalho concede depoimento franco e agudo sobre os conflitos entre ambas. A guerra entre gerações de compositores da Portela é descrita não só sob o ponto de vista da velha-guarda, mas também dos sambistas que lutavam para se impor.Nesse último episódio, o autor parece celebrar Clara como alguém que se omitia das disputas que aconteciam ao redor. Aí se esconde um ponto frágil da narrativa, que em certos m
omentos parece mais empenhada em “perdoá-la” por toda e qualquer atitude controversa que em contar como era de fato Clara Nunes. Os momentos de elogio excessivo (e esvaziado por clichês abstratos) sabotam, mas não chegam a destruir a força da pesquisa e da própria história de uma das mais desassossegadas e arrebatadoras intérpretes do Brasil.
Clara Nunes (1942-1983) viveu entre a indecisão e a multiplicidade. Em religião, era simultaneamente católica, kardecista, umbandista, devota do candomblé. No início da carreira, nos anos 60, a inconstância pautou as escolhas musicais, divididas sem prioridade entre o romantismo “cafona” e os temas universitários “sofisticados”, entre o samba, o iê-iê-iê e a bossa. A biografia Guerreira da Utopia , do jornalista Vagner Fernandes, ilumina com ineditismo os altos e baixos dessa trajetória.
O livro demonstra que o sucesso só foi acontecer a partir de 1971, quando bancou colocar foco na brasilidade, ou melhor, em várias brasilidades regionais. Clara logo foi rotulada como “sambista”, o que não dava conta da diversidade que ela pregava, mas lhe garantiu lugar na história e fez dela a primeira mulher brasileira a vender cerca de 500 mil cópias a cada disco lançado. Tornou-se a cantora mais popular do País, dado que o livro tenta fazer emergir da sombra em que se encontra desde a morte da cantora, após um choque anafilático numa cirurgia de varizes.
Minuciosa, a biografia guarda o mérito de abordar sem meias palavras uma série de passagens espinhosas. Assim, Clara aparece como militante pela abertura política nos anos finais, mas também como artista que antes satisfizera a ditadura ao gravar, sob pressão, o hino Olimpíada do Exército. A cantora Beth Carvalho concede depoimento franco e agudo sobre os conflitos entre ambas. A guerra entre gerações de compositores da Portela é descrita não só sob o ponto de vista da velha-guarda, mas também dos sambistas que lutavam para se impor.Nesse último episódio, o autor parece celebrar Clara como alguém que se omitia das disputas que aconteciam ao redor. Aí se esconde um ponto frágil da narrativa, que em certos m

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