29 de out. de 2007




As muitas faces da guerreira

Paulo Julio Clement

O maior mérito de Clara Nunes: guerreira da utopia é mostrar a cantora como bem mais do que uma sambista. Pode ser até verdade que ela tenha sido a melhor delas, apesar de uma carreira tão breve, mas a biografia autorizada escrita pelo jornalista Vagner Fernandes tem a qualidade de mostrar Clara como uma cantora que navegou pelos mais diferentes estilos musicais. Mesmo que isso tenha, ao menos no início de sua carreira, deixado as coisas bem confusas para a mineira de Cedro, distrito de Paraopeba. Ficou evidente que a única certeza de Clara Nunes desde jovem é que tinha vocação para o canto, mas nem ela, tampouco seus primeiros incentivadores, percebiam exatamente para qual tipo de música. Curiosamente, foi a experiência adquirida com os equívocos do início que forjou a característica eclética na cantora. Modelo, aliás, seguido por várias outras anos depois.
Praticamente tudo é bem construído na narrativa de Vagner Fernandes. Desde o início, em que dá a noção do ambiente no qual nasceu Clara Francisca Gonçalves, filha mais nova de Manoel Ferreira de Araújo e Amélia Gonçalves Nunes. Ele era um marceneiro que acabou tecelão; ela, dedicada mãe de seis filhos.
Com seis anos de idade, Clara já era órfã de pai e mãe e acabou criada pelos irmãos mais velhos, Maria e José. Zé Chilau, como era conhecido, acabou protagonista de mais uma tragédia. Ele assassinou um ex-namorado de Clara que a difamara. O episódio seria decisivo para a moça sair do Cedro e arriscar a vida em Belo Horizonte.
Entre as aflitivas dificuldades de uma infância pobre, Fernandes conta a vida de Clara Nunes com requinte de detalhes. Fruto de uma pesquisa bem feita e apuração dedicada. Já em Belo Horizonte, Clara conseguiu emprego em outra fábrica de tecidos, começou a participar de atividades de lazer promovidas pela companhia e iniciou a trajetória como cantora amadora. Ali, conheceu Aurino Araújo, que seria seu namorado por 10 anos e a introduziria no meio artístico.
Apesar da influência de Aurino, irmão de Eduardo Araújo, um dois representantes da Jovem Guarda, Clara se aventurou primeiramente em programas de calouros, como cantora de músicas românticas. Adorava Elizeth Cardoso. No começo, era ainda Clara Francisca e só algum tempo depois, por influência do produtor musical Cid Carvalho, virou Clara Nunes. Um nome com mais ritmo.
A narrativa mostra as dificuldades naturais de um iniciante. Foram muitas negativas e frustrações, compensadas pela tenacidade daqueles que sabem aonde querem chegar. Isso fez com que Belo Horizonte ficasse pequena para ela.
Vagner mostra que Clara sabia aonde queria ir mas não sabia como. Já no Rio, achou que deveria investir em boleros; mais adiante, mudou até o visual para adaptar-se à Jovem Guarda. Não colou. Fez várias tentativas em festivais. Sem brilho. Seus primeiros discos não conseguiram sucesso, mas a hesitação entre um gênero e outro acabaria por forjar a maior qualidade de Clara Nunes como cantora: a pluralidade.
Foi nessas buscas pelo melhor caminho que Clara topou com o radialista Adelzon Alves e seu faro para talentos. Homem ligado ao samba, influente, foi decisivo para a virada na carreira de Clara Nunes, no início dos anos 70. De conselheiro, virou namorado, produtor de discos, quase marido. A mistura entre questões afetivas e profissionais funcionou durante algum tempo, e fez Clara deslanchar. Dominou o samba como ninguém mais faria e despertou uma rivalidade com Beth Carvalho. Mas o samba era apenas uma das facetas de Clara Nunes.
Já era um fruto maduro quando se apaixonou pelo compositor Paulo César Pinheiro, com quem se casaria. Musa do poeta, Clara ganharia no período pérolas da música popular brasileira feitas especialmente para ela. Sua união com Paulo César apontava para a maturidade. Descobriu a política, aproximou-se de intelectuais. Tudo isso sem perder o estilo brejeiro e aberto. Sua única frustração: a impossibilidade de ter filhos.
Fica nítida também que a versatilidade de Clara Nunes não se restringia aos estilos musicais. Católica por formação como a maioria dos mineiros, aos poucos foi se sentindo atraída por outras religiões. Primeiro, o espiritismo, depois a umbanda, o candomblé. O livro mostra que Clara Nunes talvez tenha sido um dos exemplos concretos do que os professores de história chamam de sincretismo religioso. Algo que, em certos trechos do livro, aponta para uma excessiva dependência de pais-de- santo, babalorixás ou quem mais pudesse orientá-la.
Recheado com fotos históricas, Clara Nunes; guerreira da utopia mostra como a cantora foi uma mulher bonita, mesmo antes de merecer a produção destinada às grandes estrelas. Sua pele morena, seu sorriso cativante, um rosto bem brasileiro, tudo isso impressionou os homens durante toda a sua vida. Menos ela própria que, vaidosa, entendia que sempre havia algo a melhorar em seu corpo. Essa busca obsessiva pela perfeição, mostra bem o livro, levaria Clara Nunes a uma desnecessária cirurgia de varizes e a uma morte prematura, fruto de um choque anafilático, com pouco mais de 40 anos, em 1983.
Era o auge da carreira, seus discos vendiam como água, parte da Europa, o Japão e a África já haviam sido conquistados, seu repertório misturava, com invejável equilíbrio, sambas puros de compositores desconhecidos e composições sofisticadas de medalhões da MPB. Um fim de vida que mais parecia obra de um romance de ficção.
Clara Nunes: guerreira da utopia mostra isso de forma densa, mas leve; informativa, porém, com o distanciamento correto; e emocionada, sem ser piegas. Em momento algum o autor diz que a cantora é insubstituível. Mas prova que ela é.




[10/2007 ] 02:01

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