31 de mar. de 2008


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Enviado por Vagner Fernandes* -


31.3.2008


4h17m


Memória (ou falta de)


Claras evidências no império do efêmero das megastores
Deu no Ancelmo na coluna de quinta-feira, 27 de março: "Perguntada por um carioca se a loja possuía a biografia de Clara Nunes, a vendedora da livraria Saraiva, uma das maiores do país, questiona o cliente se Clara era a autora". Pasmem, mas aconteceu. Como autor da obra, não poderia me eximir da responsabilidade de esclarecer publicamente a esta moça que a saudosa Clara Nunes morreu há exatos 25 anos. Era cantora, mineira da cidade de Caetanópolis, amante de seu ofício, brasileira, profissão esperança. Aprendi durante a minha passagem pelo mundo acadêmico que não se deve ser etnocentrista; que a nossa grandeza reside no fato de nos despirmos do sacrossanto manto da superioridade intelectual com o qual a minoria de formação de nível superior no Brasil procura se proteger da banalização da ignorância.
Para o bem ou para o mal, faço parte deste grupo. Digo para o bem ou para o mal porque já não sei mais o que é melhor (ser bem informado ou manter-se nas trevas da ignorância) diante dos paradoxos e do festival de besteiras que assolam o país. Sou do tempo que vendedor de livro tinha paixão pelo seu posto e, muitas vezes, davam verdadeiras aulas de literatura, com conhecimento adquirido somente por meio das obras que manuseavam nas prateleiras. Amavam as letras, as palavras, a língua portuguesa.
Pode ser que a vendedora da megastore tenha menos de 25 anos, o que poderia justificar sua "lacuna intelectual" sobre a cantora. Ou seja, talvez nem tivesse nascido quando Clara morreu. Eu pergunto: e daí?Para ter o mínimo conhecimento da história e de seus personagens não é preciso, necessariamente, tê-la vivenciado "in loco". O que diríamos, então, dos historiadores e pesquisadores da atualidade que, óbvio, não são contemporâneos de D. João, D. Maria, Carlota Joaquina, Pedros I e II e por aí vai. Não vou mentir e nem serei hipócrita. Diante do episódio, bateu em mim um "etnocentrismo" brabo e uma certa tristeza de não estar sendo generoso em reconhecer as diferenças. "Meu Deus, não posso ter a visão de mundo na qual o meu próprio grupo é tomado como centro de tudo e todos os outros são pensados e sentidos através de meus valores, meus modelos, minhas definições do que é a existência", pensei. Assumo: tive dificuldade sim de pensar a diferença e embarquei numa "trip" que misturou estranheza, medo e hostilidade.
Não foi simplesmente a tal ignorância da vendedora que me assustou, mas tudo o que está no entorno do fato. Ok, ok, vão dizer: a pobre da vendedora não tem a obrigação de saber se todos os biografados que constam nas estantes e balcões da livraria estão vivos ou mortos. Está bem. Mas deveria ter o discernimento de, na dúvida, diante da própria desinformação, lançar mão da humildade e recorrer ao SISTEMA. Sim, meus amigos, a Saraiva, para quem não a conhece, tem uma rede de computadores disponível para que clientes e vendedores possam usá-los em consultas sobre os mais variados produtos. A preguiça, nesse caso, superou o bom senso e resvalou para a burrice. O Vaticano divulgou recentemente uma nova lista dos pecados capitais para adaptá-la à "realidade da globalização". Bento XVI deveria ter incluído a burrice entre eles.
Não é a primeira vez que tenho notícias de disparidades como essa nas megastores do Brasil afora. Casos semelhantes são muito comuns entre os amantes da literatura de Jorge Amado, Machado de Assis, Carlos Drummond de Andrade. Tomara que nunca chegue o dia em que vendedor de livraria venha questionar o cliente se "Gabriela, cravo e canela" não seria de Dan Brown. Já vi tais absurdos acontecerem também com repórteres novatos em importantes redações de jornais. Em coberturas de homenagens póstumas, então, isso é comuníssimo. Não me esqueço do dia em que fui cobrir um evento que relembraria o genial Glauber Rocha. Uma repórter desavisada chegou até mim e disparou a seguinte pérola: "O Glauber vai chegar a que horas?"
Olhei para ela e virei as costas.
Clara Nunes, assim como tantos outros ícones de nossa cultura, é vítima da indiferença governamental pela preservação da memória cultural brasileira. Lá mesmo na terra natal da cantora, na pequena e aconchegante Caetanópolis, prefeito, amigos e parentes tentam, sem sucesso, concluir as obras de um Centro Cultural batizado com o nome da artista, em que parte de seu acervo poderia ser exposto ao público.
Falta dinheiro. Ninguém quer investir. Nem governo, nem empresa privada. Devem pensar: "investir numa obra no interior sobre a qual poucos (ou quase ninguém) vai tomar conhecimento?". Governantes e grandes empresas gostam de obras grandiosas nos centros urbanos para marcar gestão. É marketing. É política barata e todo seu ranço reducionista, que relega ao pó e às traças àqueles que ajudaram a construir a cultura do Brasil. Aécio Neves não vai se preocupar em erguer um centro cultural, um museu ou seja lá o que for em Caetanópolis para lembrar a filha mais ilustre da terra. Deveria.
Poderia, mas não vai. A grandiosidade está nas obras faraônicas, na Cité de la Musique da Barra da Tijuca by Cesar Maia. Não está em Clara, em Mauro Duarte, em Cartola, em Candeia, em Baden, em Sivuca, em Hélio Oiticica, em João Nogueira, em Grande Otelo, em Oscarito, em Carmen, em Glauber, em Joaquim Pedro de Andrade, em Cacilda Becker, em Paulo Autran, em Monteiro Lobato, só para citar alguns. Para eles, o nome de uma rua, praça ou escola pública. Investir no resgate e na preservação documental que os perpetuem? Jamais! É muito caro. Nem escola de samba quer exaltar mais os ícones de nossa cultura. Até elas (seus dirigentes, na verdade) só enxergam as cifras milionárias por meio das quais possam exibir seus desfiles "simplezinhos" na Sapucaí.
A régua e o compasso foram para o brejo. Isso não é novidade. Até eu posso virar enredo de escola de samba. Basta ter quatro, cinco ou seis milhões à disposição.
A ignorância da vendedora da Saraiva em desconhecer Clara Nunes é reflexo das nossas mazelas. Ultimamente, vivemos para reclamar e criticar. Ou seria o contrário: reclamamos e criticamos para viver? Do ponto de vista prático, que iniciativa adotamos para transformar a situação? O "tamanho" de nossa indignação é diretamente proporcional às "dimensões" de nossa omissão. A responsabilidade é coletiva. Não adianta querermos fugir da raia.


* Vagner Fernandes é jornalista, escritor, pesquisador e autor de "Clara Nunes: guerreira da utopia".


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